Pelé é homenageado em mural em Santos pelo artista Eduardo Kobra - Juliana Rangel

Pelé é homenageado em mural em Santos pelo artista Eduardo Kobra

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O conhecido artista urbano Eduardo Kobra homenageia Pelé em mural em Santos, no litoral sul do estado de São Paulo. “Coração Santista”, com 800 metros quadrados, foi finalizado no último domingo, 18, e liberado para o público. A obra está situada em uma parede de 800 metros quadrados, na ponta da praia, região que está sendo revitalizada. Está na fachada do CAT (Centro de Atividades Turísticas), em frente ao Mercado de Peixe (Pça Gago Coutinho s/n – Ponta da praia), recentemente inaugurado.

No mural, há quatro cenas, todas situadas dentro dos arcos (ou círculos) das muretas de Santos, um dos mais conhecidos símbolos da cidade: Pelé, o Bonde, a Bolsa do Café e Um estivador no Porto de Santos.

 Veja a seguir, detalhes sobre cada uma das cenas:

 Pelé: “Fiz inspirado na imagem de Pelé jogando pela Seleção Brasileira, com o suor escorrendo pela camisa e formando um coração em seu peito, cena captada pelo fotógrafo Luiz Paulo Machado, quando trabalhava na revista Placar. O mérito é do fotógrafo. Procurei respeitar esse instante mágico e mantive até o efeito da luz nas mãos da foto original. Mas, claro, coloquei as cores e também muito preto e branco, dentro das características do meu trabalho. Parece que Pelé está projetado para fora do mural, como um 3D! Também imaginei que o suor tivesse formado a palavra ‘Santos’, como referência ao amor dele pela cidade e pelo clube”, revela o artista. 

Porto de Santos:  um estivador acompanha o processo de retirada de um contêiner de um navio. É uma cena com muita cor, com o estivador em primeiro plano, o que mostra a importância, a força e a beleza do trabalho feito cotidianamente em Santos. “É uma homenagem às pessoas que trabalham e constroem as cidades. Não apenas em Santos, mas no Brasil e no mundo inteiro”, afirma.

Bonde da Cidade – Kobra mostra um bonde, um dos símbolos da cidade, alguns ativos até hoje para turismo. Na imagem, vemos um condutor e o próprio bonde com reflexo na calçada icônica de Santos. “Essa cena tem uma conexão com meu trabalho e as memórias que tenho de arquiteturas, paisagens e personagens”, conta o muralista. O personagem que aparece na obra é o condutor Welcio Francilino da Costa, 45 (mesma idade de Kobra), nascido em Londrina, Paraná, e ainda servidor da CET Santos. Hoje, o condutor vende os tickets para o passeio de bonde em uma bilheteria situada dentro do Museu Pelé. No último sábado, ao saber que Kobra começava a retirar as telas e andaimes para finalizar a obra, Welcio, que vive há 25 e dez meses em Santos (25 anos e nove meses na CET, seu único emprego na cidade) foi até o mural e ficou emocionado e admirado com todo o trabalho. “Foi baseada em uma foto de cerca de 17 anos atrás. Não imaginava que seria tão monumental. É uma homenagem para mim, claro, mas também à cidade que me acolheu e que amo. Foi aqui que conheci minha esposa, Cláudia Helena Jorge, e que tive meu filho (Jonnathan). Enfim, foi a cidade onde formei minha família. Santos mora no meu coração. Adorei ver todas as cenas colocadas por você, especialmente o bonde. Sou apaixonado pelos bondes! Ninguém pode falar mal deles perto de mim; são meu xodó”, disse para Kobra.

A Bolsa do Café – O artista mostra a magnífica porta principal desse prédio também icônico em Santos. “Em minha pesquisa, avaliei e estudei imagens de centenas de prédios da cidade. A Bolsa do Café é sensacional, excepcional com uma quantidade incrível de detalhes. É linda por dentro e por fora. Entre os detalhes, quis valorizar a porta de entrada, as colunas principais e as esculturas que ficam no topo”, conta Kobra, que também revela uma ligação afetiva com Santos. “Nos meus primeiros anos de vida, eu ia para Santos com meus pais, porque meus avôs tinham um apartamento na cidade. Tenho lembranças vagas, mas sinto-me desde sempre ligado afetivamente à cidade. Por isso, fazer esse mural é uma honra, um privilégio e uma emoção para mim”, diz Eduardo Kobra.

Pelé é, ao lado de Ayrton Senna, a grande referência esportiva de Kobra. Fazer um mural em Santos é um sonho antigo do artista urbano. “É um gênio, considerado o maior atleta do século 20. É o maior jogador de todos os tempos, mas também um ícone pop, pintado por Andy Warhol. Tornou-se o maior símbolo de brasilidade no mundo. Em todos cerca de 35 países onde pintei, a primeira coisa que dizem quando sabem que sou brasileiro é ‘Pelé’. Muitas vezes também dizem ‘Carnaval’, mas sempre tem Pelé. Fico impressionado. Afinal, ele parou de jogar há 43 anos e segue como o brasileiro mais famoso no mundo”, diz Kobra.

Bastidores do trabalho

Kobra, junto com mais quatro pessoas de sua equipe, passou cerca de 45 dias em Santos, trabalhando com a proteção de telas para que a surpresa para Pelé e a cidade de Santos não fossem reveladas. As telas e os andaimes que utilizou para o trabalho começaram a ser retirados às 7h da manhã do último sábado, dia 17 de outubro. Por volta das 11h, Kobra e demais artistas da equipe iniciaram a finalização do trabalho: primeiro taparam os buracos provocados pelo andaime e depois Kobra retocou vários detalhes da obra. Ontem, domingo, Kobra voltou ao local para mais alguns retoques e para assinar a obra, sobre os aplausos de admiradores e curiosos.  Segundo o artista, foram utilizados de 300 a 350 latas de spray. “Trabalhamos durante 45 dias, das 8h às 18h, para que o mural ficasse pronto para o aniversário de Pelé, no dia 23 de outubro”, diz Kobra, que acrescenta: “um tempo ainda maior, de 60 dias – dois meses – utilizei na pesquisa e projeto da arte. Fiz pesquisas históricas, iconográficas e, como disse, regatei memórias afetivas. Para o chegar ao resultado final, fiz mais de 30 desenhos, buscando o equilíbrio certo entre as cenas, o uso correto de cores e preto e branco e o respeito e valorização da cultura e da história de Santos”, afirma.

A obra contou com o patrocínio da BTP (Brasil Terminal Portuário) e da Comgás e com o apoio do Grupo Mendes. Teve a produção de Dila Spinola, Alexandre Spinola e Luli Hunt  e a curadoria de Fábio Magalhães. “Coração Santista” é a segunda obra do muralista na Baixada Santista. Em 2014, Kobra levou sua arte a dois imensos tanques (14 metros de altura por 17 de diâmetro), da empresa Linde Gases, na rodovia Cônego Domênico Rangoni, no trecho do sistema Anchieta-Imigrantes, que liga Cubatão ao Guarujá. Na época, contrapôs o ambiente pesado das grandes indústrias com o uso de cores alegres e desenhos de crianças, balões e cata-ventos.

Ao Líbano com carinho – O artista brasileiro Eduardo Kobra lançou um painel sobre o Líbano, país marcado pela recente tragédia ocorrida em Beirute. A tela será leiloada até o dia 22 de outubro, através da plataforma 32Auctions (link: https://www.32auctions.com/2020Beirut). O lance inicial para a obra é de 27 mil dólares (cerca de 150 mil reais).  Além do leilão do painel, cinco serigrafias da obra serão sorteadas entre todas as pessoas que fizerem doações – de qualquer valor – para a campanha. De acordo com Kobra, 100% do valor arrecadado será destinado ao país do Oriente Médio. No próximo ano, o conhecido muralista irá pintar a obra “Ao Líbano, com carinho”, em algum prédio da capital daquele país.

O leilão do painel de 1,90m por 1,90m e a possibilidade de doações estarão vigentes na plataforma até o dia 22. Segundo Kobra, o propósito desse trabalho é ajudar às famílias que foram vítimas da explosão. “A obra mostra duas mãos, que simbolizam as mãos da humanidade, levantando o cedro do Líbano, que é um símbolo de paz, de fraternidade, de união e respeito”, diz o artista, que utilizou a bandeira do Líbano como a base para a pintura. “O vermelho representa o sangue derramado pelas pessoas que se feriram ou morreram nas lutas para livrar o país das forças externas;  o branco representa a permanente busca pela paz e a beleza das montanhas cobertas pela neve;  e o cedro, árvore presente em boa parte do país, é um símbolo de força e eternidade”, explica Kobra.

Eduardo Kobra e a Fundação Tamari, criada por Abdallah W. Tamari (fundador da Sucafina, multinacional do ramo de agronegócios de café) e sua esposa, Samia Tamari, se uniram para dar esse apoio às pessoas afetadas.

O valor arrecadado com o leilão e doações será utilizado para a compra de alimentos, equipamentos médicos e materiais de construção para aqueles cujas casas foram destruídas. “Conto com o apoio de todos nessa Corrente do Bem e mais uma vez fazer a diferença na vida de tantas pessoas que estão hoje necessitadas e precisam do nosso apoio”, diz Kobra, que recentemente utilizou seu talento para uma campanha que ajudava famílias desassistidas, com situação de vulnerabilidade ainda mais agravada pela pandemia do Covid-19.

Kobra fez o painel “Coexistência”, onde mostrava crianças de cinco religiões – budismo, cristianismo, islamismo judaísmo e hinduísmo – em oração e vestindo máscaras. Uma Serigrafia da obra foi sorteada entre as pessoas que fizeram doações. Com o valor arrecadado foram produzidos e distribuídos 16.620 kits. “Agora, estamos ao lado do povo libanês neste momento de necessidade. Quem não quer ou não pode participar do leilão, mas deseja ajudar o povo libanês, pode doar qualquer valor através do link, e, ao final da campanha, concorrer para ganhar no sorteio uma das serigrafias deste trabalho. Qualquer doação pode fazer a diferença. Agora, mais do que nunca, os libaneses, que tanto contribuíram e seguem contribuindo para o nosso país, precisam do nosso apoio”, reforça o artista.

Segundo Kobra, ele já foi convidado pela Sucafina para no próximo ano transformar em mural o painel “Ao Líbano, com carinho”, em algum prédio de Beirute.

Sobre Eduardo Kobra

Eduardo Kobra, 45 anos, é um expoente da neo-vanguarda paulistana. Começou como pichador, tornou-se grafiteiro e hoje se define como muralista. Seu talento brota por volta de 1987, no bairro do Campo Limpo com o pixo e o graffiti, caros ao movimento Hip Hop, e se espalha pela cidade e pelo mundo. Com os desdobramentos que a arte urbana ganhou em São Paulo, ele derivou – com o Studio Kobra, criado em 95 – para um muralismo original – inspirado em muitos artistas, especialmente os pintores mexicanos e norte-americanos, beneficiando-se das características de artista experimentador, bom desenhista e hábil pintor realista. Suas criações são ricas em detalhes, que mesclam realidade e um certo “transformismo” grafiteiro.

Muitos críticos afirmam que a característica mais marcante de Kobra é o domínio do desenho e das cores. Mas o que é mais fundamental para o artista é o olhar. Kobra foi desde cedo apresentado às adversidades da vida. Viu amigos sucumbirem às drogas e à criminalidade. Alguns foram presos. Outros tantos perderam a vida. Foi o olhar que o salvou.

Kobra é autor de projetos como “Muro das Memórias”, em que busca transformar a paisagem urbana através da arte e resgatar a memória da cidade; Greenpincel, onde mostra (ou denuncia) imagens fortes de matança de animais e destruição da natureza; e “Olhares da Paz”, onde pinta figuras icônicas que se destacaram na temática da paz e na produção artística, como Nelson Mandela, Anne Frank, Madre Teresa de Calcutá, Dalai Lama, Mahatma Gandhi, Martin Luther King, John Lennon, Malala Yousafzai, Maya Plisetskaya, Salvador Dali e Frida Kahlo.  

Em meio ao caos urbano, buscou resgatar o patrimônio histórico que se perdeu. Em um contexto repleto de desigualdade social e injustiças, buscou se inspirar em personagens e cenas que servem de exemplo para um mundo melhor. 

 Hoje, os murais de Kobra estão em cerca de 35 países e em diversas cidades e estados brasileiros – como “Etnias – Todos Somos Um”, no Rio de Janeiro, “Oscar Niemeyer”, em São Paulo; “The Times They Are A-Changin” (sobre Bob Dylan), em Minneapolis; “Let me be Myself” (sobre Anne Frank), em Amsterdã; “A Bailarina” (Maya Plisetskaia), em Moscou; “Fight For Street Art” Basquiat e Andy Warhol), em Nova York; e “David”, nas montanhas de Carrara. Em todos os trabalhos, o artista paulistano busca democratizar a arte e transformar as ruas, avenidas, estradas e até montanhas em galerias a céu aberto.  Inquieto, estudioso e autodidata, também faz pesquisas com materiais reciclados e novas tecnologias, como a pintura em 3D sobre pavimentos. Em 2018, pintou 20 murais nos Estados Unidos, 18 deles em Nova York.