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Adriana Matiuzo, autora do “A Pandemia no Emílio Ribas”, conta sobre livro-reportagem
Compartilhe:Adriana Matiuzo é Ribeirão-pretana, tem 46 anos e formada em Jornalismo pela Unesp de Bauru. Passou por veículos impressos importantes na cidade, como: “Folha de S. Paulo – Regional de Ribeirão”, “Gazeta de Ribeirão” e “A Cidade”. Atualmente lançou um livro-reportagem sobre a pandemia em um dos maiores hospitais de referência para a Covid-19, o Emílio Ribas.
O livro se baseia em suas próprias vivências e em 75 entrevistas feitas com profissionais, pacientes e familiares, que quiseram contar suas histórias para o mundo. São relatos de fatos reais, como o da enfermeira que ficou dormindo no carro por medo de infectar sua família, o do médico que havia acabado de chegar de um retiro de meditação na Índia e que teve a estressante missão de escolher quem iria trabalhar na linha de frente no início da pandemia e o do jovem pesquisador da USP também, que se dedicava a estudar as sequelas da Covid-19, quando se infectou, foi internado e acabou morrendo apenas dois meses antes de poder ser vacinado.
Para falar melhor sobre essa trajetória, Adriana participou do Podcast Juliana Rangel News e contou um pouco mais sobre a sua vida profissional. Acompanhe:
Juliana Rangel: Você foi para lá (Emílio Ribas) justamente para cuidar desse período da pandemia, como foi pensar nesse conteúdo que hoje foi transformado em livro?
Adriana: Deu bastante trabalho, acho que você pode imaginar. Eu tive a ideia de fazer o livro porque muitos jornalistas e veículos não podiam entrar no prédio hospitalar onde fica a internação do Emílio Ribas, eles não podiam fazer as entrevistas lá dentro. Então os jornalistas que entravam, ficavam somente uma hora e em área diferente dessa por questão de segurança deles e evitar que os atendimentos fossem atrapalhados de alguma forma. Cheguei à conclusão que eu estar ali, estava sendo testemunha das histórias e que poderia contar isso de uma forma mais detalhada e analítica, aproveitando a oportunidade. Ao mesmo tempo, eu também não quis ficar somente nas minhas impressões e sensações, foi um projeto para ouvir as pessoas. No total, foram 75 depoimentos de pacientes, familiares e profissionais da saúde que estavam atuando na linha de frente ou nos bastidores que muitas vezes não eram mostrados pela imprensa. É um pouco de curiosidade também que as pessoas não imaginam como foi a organização dentro do hospital com tudo acontecendo ao mesmo tempo.
Juliana Rangel: Esses depoimentos foram feitos durante a pandemia, ou seja, estávamos todos passando naquele momento. Você foi para o Emílio Ribas quando?
Adriana: Eu fiquei 15 dias em home office e no início de abril, eu já estava na linha de frente do Emílio Ribas. Fiquei esses dois anos direto indo para a UTI todos os dias, com gravação acontecendo e acompanhando equipes de jornal. Quando elas não conseguiam entrar, eu que fazia a gravação das imagens com celular. Então muitas das imagens que a gente viu no Jornal Nacional e Fantástico, fui eu que fiz com o celular andando pelo hospital depois deles me dizerem quais imagens precisavam para a matéria. A Globo, especificamente, não podia entrar com as equipes no hospital por determinação da própria emissora. Veículos como UOL e Folha de São Paulo, foram lá fazer reportagem, a Patricia Campos Mello, da Folha, quis fazer uma matéria especial logo no começo da pandemia e nós combinamos com ela de ir vários dias e ficar cerca de uma hora e mesmo assim a empresa determinou que ela precisava ficar 14 dias em isolamento.
Juliana Rangel: Como foi para você estar em home office e de repente, se ver na linha de frente, onde há maior risco de contaminação?
Adriana: Quando eu recebi o convite, a diretoria do hospital deixou bem claro que eles estavam precisando de mim, de alguém para gerenciar, por exemplo: a questão dos equipamentos de proteção individual estava faltando naquele momento e eles tinham que ficar correndo atrás disso.
Teve problema com tudo, até com a falta de profissional. Tinha gente que queria ir para a linha de frente, mas tinha gente que estava com pânico e não queria, então eles deixaram bem claro que a minha ajuda seria importante para gerenciar a imprensa. Havia um entendimento no hospital de abrir as portas e mostrar de forma transparente o que estava acontecendo, que não era uma mentira, a pandemia existia e pessoas estavam sendo internadas deixando os hospitais cheios.
Mostrar isso para a população era uma chance que a gente tinha de ajudar as pessoas a entenderem a importância de se prevenir. Assim, uma vez que eu entendi a importância do meu papel nisso tudo, ao mesmo tempo os jornalistas não podiam entrar e quando entravam era por pouco tempo, seguindo as regras do hospital de não filmar paciente, não ficar nos corredores, entre outras ajudas de uma forma que a cobertura do ocorrido aconteça de uma forma equilibrada para todos. Não tinha como dizer não, o lado profissional falou mais alto, além de ter sido uma experiencia pessoal muito importante.
Juliana Rangel: Nós estamos falando de quase 700 mil mortes na pandemia, o Emílio Ribas, como qualquer outro hospital, passou pelas questões da falta de vagas e tantas outras dificuldades no meio do caminho. O que você via lá dentro em termos de reorganização, reestrutura para mais leitos?
Adriana: O hospital estava em reforma, tem um capítulo no livro que conta sobre isso. É um prédio dos anos 50 e que conseguiu, com muita luta, aprovação para fazer uma reforma que começou em 2014. Com a crise econômica de 2015 a 2018, as verbas foram diminuindo e o ritmo das obras desacelerou, quando finalmente o hospital recebeu uma injeção de ânimo para retomar, veio a pandemia. A diretoria havia tomado a decisão de conciliar as obras e os atendimentos, foi literalmente um quebra-cabeças. Então, por exemplo, a UTI tem 30 leitos que já estavam prontos e alguns quartos que já tinham sido reformados seriam as enfermarias, a solução foi adaptar esses leitos de enfermaria, em leitos de UTI. O Emílio Ribas chegou a ficar com 70 leitos de Unidade de Terapia Intensiva e mesmo assim a rede ficou cheia.
Juliana Rangel: Das histórias que você colheu e trouxe para o livro, quais as que te marcaram mais? Tem alguma que mexeu mais?
Adriana: Uma história que me impactou muito foi uma com viés mais social, de um servente de pedreiro de 60 anos, casado com uma moça de 30 e que estava desempregado na época. Ele tinha uma filha de 11 anos e duas menores, 3 e 2 anos. As duas ainda mamavam no peito e a esposa pegou Covid-19 de forma grave, ficando com a gente no hospital. A paciente relatou para o Serviço Social que estava preocupada com a alimentação das crianças, foi aí que eles entraram em contato com esposo para saber o que ele estava dando de alimentação paras as meninas e ele falou: “estou dando miojo para a minha filha de 11 anos e a água do miojo na mamadeira para as menores”. Depois eles foram fazer exame na mãe e ela estava desnutrida também, de repente a evolução da doença partiu daí. Ela faleceu e ele ficou com as três crianças diante toda a situação de perda e criação. No hospital, todo mundo ficou muito abalado com a história e conseguiram cesta básica, na forma de tentar ajudar. Queriam arrumar passagem para ele, que era do Nordeste, mas ele alegou que lá era pior, e então passaram para a prefeitura auxiliar no caso.
Confira abaixo a entrevista completa no Podcast Juliana Rangel News: